Cem anos de História e consciência de classe: Lukács e a teoria crítica hoje

Organização:

Mariana Teixeira, Freie Universität Berlin (m.teixeira@fu-berlin.de)

Victor Strazzeri, Universität Bern/Berliner Institut für kritische Theorie, e.V. (victor.strazzeri@unibe.ch)

Em 2023 completa-se o centenário de publicação de História e consciência de classe, do marxista húngaro Georg Lukács. Considerado marco fundador do que Maurice Merleau-Ponty chamou de “marxismo ocidental”, o livro deixou marcas profundas na história da filosofia e das ciências humanas, especialmente as de orientação crítica, após sucessivas ondas de recepção ao redor do mundo.

Neste sentido, se a categoria “ocidental” já se mostrava relativa ao incorporar a Hungria nativa do autor, o impacto de História e consciência de classe para além da Europa – com destaque para a América Latina – sugere uma obra de relevância verdadeiramente global.

Sua trajetória foi conturbada: denunciada como retrocesso idealista por intelectuais de distintas correntes no interior da Internacional Comunista na esteira de sua publicação – críticas que Lukács contestou em um texto só publicado postumamente –, a obra acabou renegada pelo próprio autor. O livro não teve outra reimpressão até 1967, mas circulava em cópias “piratas” do original em alemão e também em uma tradução não autorizada para o francês, especialmente entre estudantes. A reedição tardia veio acrescida de uma prefácio em que Lukács tecia duras críticas à sua obra de juventude. Mesmo assim, e a despeito das mais de quatro décadas – e enormes transformações históricas –  que separam a primeira e a segunda edições, História e consciência de classe  continuou a causar impacto nos leitores com a sua defesa de um “marxismo ortodoxo” e contribuições à teoria da reificação, da consciência de classe e da organização operária. O novo ciclo de recepção iniciado nos anos 1960, por sua vez, segue aberto até hoje.

Nesta obra portadora das marcas de uma transição ainda recente ao marxismo, Lukács combina de forma inédita até então elementos da crítica da racionalidade instrumental moderna feita pela nascente sociologia alemã, nas figuras de Max Weber e Georg Simmel, por exemplo, em um arcabouço teórico-filosófico tomado de Marx e com fortes tonalidades hegelianas. A originalidade de sua crítica do capitalismo logo se fez sentir, por exemplo, nos autores reunidos em torno do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, cujos trabalhos ao mesmo tempo devedores e críticos de Lukács viriam a ficar conhecidos sob a alcunha de “teoria crítica”. Ao mesmo tempo, o livro encontrava leitores em círculos de comunistas e de jovens intelectuais da República de Weimar nos quais exerceu, segundo uma testemunha da época,  “um profundo impacto” a despeito de ser “horrivelmente complicado” (Hans Mayer, 1970).

No prefácio crítico de 1967, porém, Lukács afirma que a intenção de republicar esse conjunto de textos “é justamente enfatizar seu caráter experimental”. Seus ensaios de juventude podem “ter uma certa importância documental”, mas apenas “se se adotar um comportamento suficientemente crítico”. Tratava-se, em suma, de um produto da década de 1920, das esperanças revolucionárias que caracterizavam a esquerda daqueles anos. Para além dos eventuais limites do juízo do último Lukács sobre sua própria obra, as repetidas (e entusiasmadas) redescobertas e (re)leituras de História e consciência de classe ao longo de um século de recepção e nos mais variados contextos sugerem uma persistente atualidade.  

No centenário da publicação dessa obra, a Dissonância: Revista de Teoria Crítica convida a submissão de textos que discutam a importância de História e consciência de classe para a teoria crítica entendida de forma ampla, para as perspectivas emancipatórias contemporâneas, bem como para a compreensão crítica da atual fase de desenvolvimento da sociedade capitalista.

Alguns temas possíveis:

  • Recepção de HCC no Brasil e na América Latina
  • HCC e a teoria crítica
  • Atualidade dos conceitos de reificação, consciência de classe e marxismo ortodoxo
  • O aparato conceitual e categorial de HCC
  • HCC enquanto obra fundante do “marxismo hegeliano” e “marxismo ocidental”?
  • Limites teóricos e elementos datados de HCC
  • HCC e a atual fase de desenvolvimento do capitalismo
  • HCC e as teorias feministas do ponto de vista (feminist standpoint theories); crítica do capitalismo e interseccionalidade
  • Diálogos (diretos, indiretos, imaginados) do Lukács de 1923 com o pensamento marxista: Rosa Luxemburg, Ernst Bloch, Karl Korsch, Antonio Gramsci, Vladimir Lenin, entre outros
  • O lugar (ausente?) da dialética da natureza em HCC e sua relevância para debates ambientais e eco-socialistas atuais
  • A ressonância (ou ausência) de HCC na obra posterior de Lukács

Sugestões de obras a serem resenhadas:

  • Arlenice Almeida da Silva, Estética da resistência: A autonomia da arte no jovem Lukács (Boitempo, 2021)
  • Daniel Andrés López, Lukács: Praxis and the Absolute (Brill, 2020)
  • Georg Lukács, Werke 3.1 (Aisthesis, 2021)
  • Georg Lukács, Texte zum Theater (Theater der Zeit, 2021)
  • Georg Lukács, The Destruction of Reason (Verso, 2021)
  • Gregory Smulewicz-Zucker (org.), Confronting Reification: Revitalizing Georg Lukács’s Thought in Late Capitalism(Brill, 2020)
  • Konstantinos Kavoulakos, Georg Lukács’s Philosophy of Praxis: From Neo- Kantianism to Marxism (Bloomsbury, 2018)
  • Matthew Smetona, Recovering the Later Georg Lukács: A Study on the Unity of His Thought (MIT Press, 2023)
  • Michael Thompson (org.), Georg Lukács and the Possibility of Critical Social Ontology (Brill, 2019)
  • Nikos Foufas, La critique de la réification chez Lukács (Editions L'Harmattan, 2020)
  • Nikos Foufas, Les antinomies de la pensée bourgeoise chez Lukács (Editions L'Harmattan, 2020)
  • Nikos Foufas, Processualité de l'être social dans la philosophie du jeune Lukács (Editions L'Harmattan, 2021)
  • Richard Westerman, Lukács’s Phenomenology of Capitalism: Reification Revalued (Palgrave, 2019)
  • Tyrus Miller, Georg Lukács and Critical Theory: Aesthetics, History, Utopia (Edinburgh University Press, 2022)

PRAZOS DE SUBMISSÃO:

- Propostas de artigos: 31/10/2022 (resumos de 300-500 palavras)

As/Os autoras/es cujos resumos forem aprovados serão convidadas/os a submeterem os artigos completos para o dossiê.

- Artigos completos: 15/02/2023

Os artigos devem seguir as diretrizes da revista disponíveis em https://ojs.ifch.unicamp.br/index.php/teoriacritica/info_gerais_sub e serem enviados para o email dissonancia@unicamp.br.