Intersecções e divergências entre a desobediência civil e o conceito libertário de ação direta
Resumo
O objetivo deste artigo é discutir comparativamente o conceito libertário de ação direta e a ideia de desobediência civil. Defino a desobediência civil como conflito com leis ou ordens governamentais, com ou sem uso de força, visando comunicar discordância e intenção transformativa por meio de apelos à sociedade e ao governo, sem entretanto desafiar intrinsecamente sua constituição, ao invés respeitando-a, já que envolve atos públicos, principiológicos, e aceitação de punições e consequências legais. Abordo a ação direta a partir do seu enquadramento libertário por razões históricas e normativas, definindo-a como ação executada pelas pessoas diretamente envolvidas em uma situação, consideradas de forma amplamente inclusiva, com o objetivo de resolver um problema ou obter um resultado sem referência ou à revelia de instâncias de autoridade hierárquica, sem ter por objetivo criar ou concentrar poder hierárquico e sem classificar a existência de terceiros como problemas. Comparo as formas de ação e concluo que, apesar de similares, a diferença entre suas características fundamentais ainda é evidente. A desobediência civil é tática de contestação ao mesmo tempo em que reafirma a legitimidade sistêmica, enquanto a ação direta visa indicar precisamente sua ilegitimidade. A desobediência civil não aponta, como faz a ação direta em virtude de sua própria lógica, para um modelo político alternativo ao vigente. A desobediência civil busca chamar a atenção para um problema cuja resolução segue como responsabilidade superior, enquanto a ação direta volta-se para resolver diretamente um problema à revelia das estruturas de poder vigente.
Referências
ADVERSE, H. “Arendt, a democracia e a desobediência civil”. Revista brasileira de estudos políticos 105, p. 409-434, jul./dez. 2012.
BAYAT, A. “Un-civil Society: the Politics of the ‘Informal People’”. Third World Quarterly 18 (1), p. 53–72, 1997.
BAYLES, M. “The Justifiability of Civil Disobedience”. The Review of Metaphysics 24 (1), p. 3-20, set. 1970.
BEETHAM, D. The Legitimation of Power. Nova Iorque: Palgrave, 1991.
CASANOVA, J. Tierra y Libertad: Cien años de anarquismo em España. Aragão: Critica, 2010.
CHAMBERS, S., KOPSTEIN, J. “Bad Civil Society”. Political Theory 29 (6), p. 837-865, 2001.
CLEYRE, V. de. Direct Action. 1912. Disponível em: <https://tinyurl.com/ycb36you>. Acesso em: 17 janeiro 2018.
COLOMBO, E. “O sentido da ação direta”. Revista da Biblioteca Terra Livre 2 (3), p. 72-87, 2015.
CONGRESSO DE AMIENS. A carta de Amiens. 2015. Disponível em: <https://tinyurl.com/y2b65waf>. Acesso em: 26 abril 2019.
DALTON, R. J. The Apartisan American: Dealignment and Changing Electoral Politics. Washington, DC: Sage, 2013.
ECHEGARAY, F. “Voting at the Marketplace: Political Consumerism in Latin America”. Latin American Research Review 50 (2), p. 176-199, junho 2015.
GOODMAN, P. “A política normal e a psicologia do poder”. In: Woodcock, G. (Ed.). Os grandes escritos anarquistas. São Paulo: L&PM, 1998, p. 85-90.
GRAEBER, D. Direct Action: an Ethnography. Oakland: AK Press, 2009.
GRAEBER, D. Um projeto de democracia. São Paulo: Paz & Terra, 2015.
GUIMARÃES, A. A. Anarquismo e ação direta como estratégia ético-política (persuasão e violência na modernidade). Dissertação (Mestrado). Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2009.
HABERMAS, J. “Civil Disobedience: Litmus Test for the Democratic Constitutional State”. Berkeley Journal of Sociology 30, p. 95-116, 1985.
HALL, R. T. The Morality of Civil Disobedience. Nova Iorque: Harper & Row, 1971.
JAKOBSEN, T., LISTHAUG, O. “Social Change and the Politics of Protest”. In: Dalton, R., Welzel, C. The Civic Culture Transformed. Cambridge: Cambridge University Press, 2014.
MATOS, A. S. de M. C. “Estado de exceção, desobediência civil e desinstituição: por uma leitura democrático-radical do poder constituinte”. Direito & práxis 7 (4), p. 43-95, 2016.
MELLOR, W. Direct Action. Londres: Leonard Parsons, 1920.
RAWLS, J. “The Justification of Civil Disobedience”. In: Kavanagh, A., Oebediek, J. (Eds.). Arguing About Law. Londres: Routledge, 2013, cap. 14.
RUSSELL, B. The Autobiography of Bertrand Russell, III. Londres: Allen & Unwin, 1969.
SILVA, P. R. da. O anarquismo e a legitimidade: tensões pós-modernas. Dissertação (Mestrado). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2018.
SMART, B. “Defining Civil Disobedience”. In: Bedau, H. A. (Ed.). Civil Disobedience in Focus. Londres: Routledge, 1991, p. 189-211.
SPARROW, R. Anarchist Politics & Direct Action. 1997. Disponível em: <https://tinyurl.com/ya7kcdaf>. Acesso em: 17 janeiro 2018.
STOLLE, D., HOOGHE, M. “Inaccurate, Exceptional, One-Sided or Irrelevant? The Debate about the Alleged Decline of Social Capital and Civic Engagement in Western Societies”. British Journal of Political Science 35 (1), p. 149-167, 2005.
THOREAU, H. D. Desobediência civil. São Paulo: L&PM, 1997.
VAN DETH, J. “Voting and the Expanding Repertoire of Participation”. In: Fisher, J. et al. The Routledge Handbook of Elections, Voting Behavior and Public Opinion. Londres, Nova Iorque: Routledge, 2018. Cap. 8.
WALTER, N. “Ação anarquista”. In: Woodcock, G. (Ed.). Os grandes escritos anarquistas. São Paulo: L&PM, 1998, p. 157-162.